por Luiz Flávia Gomes
O Brasil e o mundo capitalista/consumista/neoescravagista estão enfrentando várias crises (do capitalismo radical e aético, do Estado-nação, da cultura e da ética, de representatividade, do Estado de direito e de confiança). Cada uma da sua maneira prestou sua contribuição para a eclosão do mais expressivo movimento social no Brasil, depois da redemocratização (o movimento está sendo batizado de jornada de junho).
Como nos ensina M. Castells, (Redes de indignação y esperanza, p. 29), as raízes mais profundas desses movimentos globais estão na injustiça fundamental de todas sociedades, que são frustrantes da expectativa de justiça das pessoas, expressadas na “exploração econômica, pobreza desesperada, desigualdade iníqua, política antidemocrática, estados repressores, justiça injusta, racismo, xenofobia, negação cultural, censura, brutalidade policial, belicismo, fanatismo religioso (com frequência contra as crenças religiosas dos demais), negligência em relação ao nosso planeta (que é nossa única casa), indiferença pela liberdade pessoal, violação da privacidade, gerontocracia, intolerância, sexismo, homofobia e outras atrocidades presentes na extensa galeria de retratos que representam os monstros que somos (…) cabe agregar a dominação absoluta dos homens sobre as mulheres e crianças como base fundamental de uma injusta ordem social”.
Quem está por detrás dos protestos massivos?
Pessoas de carne e osso, e no plural (Castells), porque cada uma tem suas razões para ir às ruas. Pessoas com diferentes visões de mundo, crenças, filosofias, mas que, de repente, encontraram algo em comum. O quê? Na tentativa de buscar um eixo comum entre todos os manifestantes das ruas ou, pelo menos, uma explicação para essa surpreendente fenomenologia de massa, talvez nos ajudem palavras como insatisfação, frustração, indignação, ruptura, impotência, falta de esperança, ira, ansiedade, medo etc. Saem às ruas (falo daqueles que lutam por uma causa justa, não dos vândalos) os indignados (com sua situação pessoal, com o momento em que vive o país, com a economia local e mundial, com o péssimo funcionamento dos serviços públicos, com a descrença nas instituições, com a falta de futuro etc.) que querem exteriorizar sua ira, sua insatisfação, ainda que assumindo riscos enormes de um enquadramento penal – muitas vezes injusto – ou de uma violência policial descomunal e bárbara.
Os protestos massivos são movimentos emocionais?
Sem sombra de dúvida, sim. Como todos os movimentos sociais, o nosso tanto pode se arrefecer (perder força) como pode ganhar contornos progressivos inimagináveis (no campo político, social, econômico, trabalhista, institucional, cultural, educacional, jurídico etc.). De qualquer modo, não há como deixar de reconhecer que ele somente se tornou realidade porque sentimentos e emoções foram transformados em ação. Saiu da teoria e se transformou em algo prático (protestos nas ruas).
Precisamente porque esses movimentos espontâneos constituem manifestações de sentimentos e emoções, no seu princípio, não existe mesmo um programa ou uma estratégia política (Castells). São movimentos apartidários, porque refutam os partidos políticos estabelecidos (o que não significa anti-partidário). Na verdade, como movimentos de contrapoder, eles tendem a recusar todos os poderes, sobretudo suas barbáries. São movimentos que possuem liderança, porém, sem líderes (ao menos no princípio). Quando surgem os líderes, o normal passa a ser construção de programas e estratégias políticas (porque é assim que as instituições funcionam dentro do estado democrático de direito).
LUIZ FLÁVIO GOMES, jurista e coeditor do portal atualidades do direito. Estou no luizflaviogomes@atualidadesdodireito.com.br