Eu estou tão surpresa quanto a todos. E concedo que as minhas previsões como jornalista estavam completamente equivocadas. Eu acreditava que a Hilary Clinton seria eleita. Errei.
Não serve de consolo para mim o fato de que um monte de gente também acreditava no mesmo que eu. E o que eu quero conceder aos leitores é que por maior que seja a nossa bagagem profissional, às vezes não conseguimos enxergar o plano de fundo. E o que aconteceu na eleição americana, no meu ponto de vista, é um clássico. Olhamos as pesquisas, observamos os comentários dos especialistas e erramos ao não considerar o que de fato passa pela cabeça das pessoas, do público americano.
A agenda do Trump é imprevisível, podemos fazer dois cenários, o primeiro você leva ao pé da letra tudo o que ele falou na campanha. E o segundo cenário, é quando levamos em consideração a realidade, que teremos o ajustamento de muitas das promessas de campanha à realidade do governo americano.
Nós temos dois Trumps diante de nós, um que usou um discurso mentiroso, horroroso e fanfarrão e um Trump presidente dos Estados Unidos fazendo uso das instituições, e fazendo ligações com os republicanos que tem uma grande força na política americana.
Uma boa parte das coisas que o presidente eleito prometeu na campanha não é factível ou é contra producente do ponto de vista dos próprios Estados Unidos. Tais como, abrir uma guerra comercial com a China, abolir o NAFTA, internamente acabar com o programa de saúde do Obama sem colocar alguma coisa adequada em substituição, em suma, aquela sociedade americana vibrante, liberal, aberta ao mundo, preocupada com os mais pobres, foi o governo Obama, foi o clímax desta América liberal, que hoje é rejeitada por uma maioria silenciosa e descontente com os rumos do país e com os efeitos internos da abertura de fronteira. As três linhas básicas eu acredito que ele irá fazer, obviamente, que não vai conseguir fazer tudo, mas a primeira será a redução dos impostos.
Ele mencionou uma expansão de gastos de infraestrutura, e desde Roosevelt o expansionismo fiscal sempre foi considerado uma boa saída. Corte de impostos e aumento de gastos, vai automaticamente pressionar a dívida pública. Segunda coisa que eu acredito que ele vai tentar fazer, é aumentar o grau de protecionismo, pode ser uma guerra comercial, mas certamente ele vai tentar. O protecionismo, até onde eu sei, o presidente pode aumentar em boa medida sem depender do congresso. O que eles chamam de autoridade executiva. Isso tem como consequência gerar uma inflação. Se for dessa forma, ele vai gerar déficits, os americanos tiveram déficit com W. Bush consideravelmente grande, e isso gera uma considerável insegurança em boa parte, enquanto os investidores acharem que os americanos vão honrar seus títulos. Mas por outro lado, republicanos adoram um dólar forte, o que não é compatível com uma política que ele quer fazer de balanço zero.
Trump prometeu enfaticamente empregos para a classe média, porém a taxa de desemprego está em 4.9%, está muito baixa, ele vai ser contra os imigrantes ilegais, embora sabemos que ele não vai criar esses empregos, porque os empregos fugiram muito mais pela tecnologia do que pela China. E ele não pode deixar de dar resposta para esse grupo que foi muito forte. Eu vejo que é muito difícil entregar o que prometeu em curto prazo. O desemprego está baixo, mas tem muita gente pouco qualificada, que está empregada e ganha mal. E tem uma lembrança do passado industrial que não existe mais. Os EUA estão produzindo de 16 a 17 milhões de carros por ano e não pode passar disso, por motivos fiscais.
Eu acredito que Donald Trump vai neste primeiro momento focar na política econômica e social interna, e na medida em que ele começar a tomar pé nos problemas internacionais ele vai colocar os Estados Unidos na frente, em primeiro lugar, e isso está correto. Ele não está errado ao querer uma América para os americanos.
O Brasil não tem o hábito de defender o interesse nacional, e Trump vai defender o interesse nacional. Eu não acredito que ele vai renegar o acordo com o Irã, eu acho que ele vai pressionar, mas não vai renegar. Ele vai cobrar dos aliados do Atlântico, que defende a Europa, uma parte financeira que eles não estão fazendo.
Com a visão meio torta que o Trump tem inconsistente e voluntarista, de prometer uma volta de um passado que não existe mais. Porque foi isso que ele prometeu do ponto de vista econômico. Ele vai acabar provocando um aumento na taxa de juros nos EUA e provavelmente uma valorização do dólar.
Trump é o único assessor de si mesmo, vaidoso e se sente ofendido por pouca coisa. Ele tem uma autoestima que em política internacional é muito perigoso. Qualquer coisa que o Donald Trump faça não vai afetar o Brasil, pois a América do Sul não é prioridade para os EUA. Mas se o Brasil quiser ampliar as relações com os EUA, precisa colocar a casa em ordem. O governo americano não tem influencia sobre o que as empresas tem que fazer. Tem dois pontos que pode afetar o Brasil. é a questão de imigração que tem 1 milhão de brasileiros e boa parte ilegal no país.
É pouco provável que ele venha colocar restrições no setor agrícola. Qualquer política do Trump na área externa vai ter pouco efeito no brasil. O Brasil pode sofrer indiretamente, afinal não estamos em uma postura subalterna dos EUA.
Os americanos estão esperançosos com a mudança de governo e ao mesmo tempo receosos, mas de qualquer forma desejamos boa sorte ao novo presidente dos Estados Unidos.
por Kellen Reis/UNOPress/Correspondente